domingo, 3 de março de 2013

Entender um pesqueiro versus marcas de GPS


A carta de fundos de Sines surge perante os meus olhos e, enquanto não deixo de me espantar pela  diversidade e qualidade dos mesmos, analiso os resultados algo variáveis das últimas pescarias, comparo-os com outros na mesma época do ano e nos mesmos pesqueiros e tento relacionar tudo isto com as opções tomadas em cada momento, na tentativa contínua de os melhorar, pensando, agora no sossego do "buraco" onde costumo escrever, sobre a enormidade de variáveis que rodeiam a acção de pesca e a dificuldade de as interpretar a nosso favor em cada momento de pesca.

Tais pensamentos e decorrentes reflexões, levaram-me a questões relacionadas com o entendimento de pesqueiros, tentando isolar e posteriormente conjugar os factores que poderão conduzir a uma melhor interpretação de como lidar com um determinado pesqueiro, tendo em conta as suas características e as condições de mar e vento de um determinado dia em que decidimos, face à época do ano, escolhê-lo como local para nossa acção de pesca.

Genericamente, tenho como definição de pesqueiro: "uma zona submarina em que a profundidade, textura e contornos de fundo se adequam, em determinada época, dia e momento, à concentração, permanência ou passagem da espécie ou espécies que pretendemos capturar, utilizando uma determinada técnica (fundeado, com isca morta ou viva; à deriva, com zagaia ou isca viva;…)".
Para além das características apontadas, a zona em questão, poderá ser mais ou menos extensa e portanto passível de, em função das condições de mar e vento, oferecer hipóteses diversas de localização do peixe e consequentemente de fundeios adequados a esta localização, tendo ainda em conta o rumo da deriva existente em cada dia.
Considerando o referido, um ponto de GPS que identifique a zona, funcionará sempre como o centro ou indicação da mesma e não como obrigatoriedade de fundeio preciso nas coordenadas que o definem. Quer isto dizer que ao chegarmos ao ponto deveremos, a partir dele e através da sondagem, procurar o melhor local para fundear, tendo em conta a actividade, o rumo da deriva e a possível existência de aguagem.
Normalmente, em pontões baixos em que a actividade se vê numa das beiradas, tenta-se largar o ferro na beirada contrária e deixar o barco descair mais ou menos para cima da outra onde vimos actividade, ou, caso o rumo da deriva seja contrário, tentar encontrar uma zona rija, fora da área do pontão, onde se verifiquem condições para o ferro prender e deixar o barco descair na direcção deste, de modo a que consigamos colocar as nossas iscas na zona de actividade identificada. Tudo isto sem esquecer que, havendo aguagem, o barco não deverá descair para a vertical da zona de actividade, sob pena de a corrente colocar as nossas iscas fora desta.
Analisando as duas hipóteses apontadas, prefiro quando possível, largar o ferro fora do pontão e descair para este, do que largar sobre um lado e descair para o outro, isto porque qualquer peixe daqueles que procuramos, ou já lá está, ou, tendencialmente, terá o pontão como referência para a sua aproximação, devido à comedia que anda em torno deste, sendo que as nossas iscas ficam no local certo, venha ele de onde vier. Já quando largamos o ferro numa das beiradas do pontão e descaímos para a outra, havendo aguagem, o peixe que já por lá possa estar pode não se aperceber das nossas iscas, atendendo a que a corrente poderá levar cheiros ou vibrações para fora da sua área sensorial, restando-nos aguardar que outros predadores venham procurar o local e dêem de caras com a nossas ofertas, o que tende a acontecer com aguagens leves e talvez seja mais difícil acontecer com aguagens mais fortes, em que o peixe tenderá a evitar grandes deslocamentos.
Importa referir que, não havendo aguagem, deveremos ter como único pensamento a colocação do barco, na vertical, sobre a beirada com mais e melhor actividade, independentemente do local onde se largue o ferro, sendo neste caso o vento, o principal orientador da deriva.

No caso de elevações submarinas significativas (10 ou mais metros), distribuídas por áreas extensas e em presença de aguagem, a tendência de abrigar muita comedia (peixe miúdo) e consequentemente aqueles maiores que dela se alimentam, aumentam significativamente as hipóteses de capturas de predadores que já se encontram na zona, desde que coloquemos iscas que os atraiam em género e quantidade, assim como, em zona onde lhes sintam o cheiro, as vejam ou a elas sejam atraídos devido ao frenesim do peixe miúdo que as estejam a consumir, caso tal aconteça.
O fundeio ideal face à situação anterior, sendo efectuado do pontão para a beirada do lado para onde se dirige a aguagem, poderá não ser o ideal, atendendo a que a actividade do peixe miúdo e consequentemente dos predadores se desenvolve junto ao pontão, sendo que, com um fundeio deste tipo, as iscas cairão fora da zona, tendendo a não serem detectadas, excepto no caso em que apareçam predadores em procura de comida e/ou abrigo, vindos de outros lados e, eventualmente, caso exista outro pontão perto, também com actividade e no alinhamento da aguagem.
O fundeio ideal, parece ser aquele em que conseguimos largar e prender o ferro, fora do pontão, do lado contra a aguagem, de modo a que o barco fique entre o ferro e a base do pontão, permitindo que as iscas, os seus cheiros e as vibrações causadas por ataques de peixe miúdo, por efeito da corrente, se dirijam ao encontro dos "residentes", temporários ou não.

A escrita já vai longa e, como habitual, voltei atrás, revi a conversa e pensei com os meus botões... neste momento da leitura, alguns de vós poderão estar a pensar: mas por que raio estará este fulano para aqui com esta conversa toda? Porque é que não vai direito ao assunto?

É para já!

A conversa anterior tem por base os resultados obtidos nas últimas três saídas de pesca; duas, com bons exemplares e uma de seca e quase sem peixe.

Uma das melhores, corresponde à relatada na última entrada e a outra, corresponde a esta, em que para além de um Pargo de quilo e pouco que me saiu, mais um grande que se desferrou e dois outros, também desferrados pelo Zé Beicinho, muito por tentativas de ferragens demasiado rápidas, foi ao Brás que saiu a taluda, iniciada com este Alfaquim pequeno...


... seguido deste maiorzito...


e terminando com chave de ouro, com este Pargo, perto dos 5,000kg


Parabéns Brás!

Mas voltemos à conversa.

Tanto o último relato, quanto este, foram precedidos respectivamente de duas pescarias não relatadas. A  anterior ao último relato foi mais uma tentativa em pesqueiros pelos 50/60 metros, revelando estarem estas profundidades muito pouco activas no que a peixe melhor se refere, indicando a necessidade de procurar mais fundo. Procurado e encontrado o pesqueiro, realizou-se a pescaria relatada na entrada anterior, em que o fundeio, por orientação do rumo da deriva, obrigou a fundear de fora do pontão para este, na linha de aguagem.
Na passada Quarta Feira, voltei ao pesqueiro e tanto a aguagem, quanto o rumo da deriva se verificaram opostos, indicando que deveria fundear na beirada oposta, mas, por uma questão de tentar entender melhor o pesqueiro e também porque a beirada já testada apresenta-se com um declive menos pronunciado que a oposta, decidi o fundeio colocando o barco mais ou menos no mesmo local, embora pescando do pontão para a beirada, com resultados desastrosos. O peixe nem comia.
Após uma hora e muito, de acção de pesca, resolvi levantar ferro e fundear do outro lado. Pescámos muito pouco tempo... entrou vento forte, o mar virou, o ferro saltou e tivemos que rumar a terra onde só umas Choupas e Sarguetas entraram, dando-se por terminada a pesca e confirmando uma vez mais a dificuldade de conseguir melhores exemplares à terra.
Finalmente chegámos a esta Sexta Feira, dia calmo, "mar de senhoras" e rumo ao mesmo pesqueiro, onde se verificou aguagem mais leve e actividade mais intensa na tal beirada com menos declive. Hesitei mais uma vez e tornei a fundear do pontão para a beirada na linha de aguagem, pensando que com menos corrente houvesse maior fluxo de peixe a vir de fora para o pontão. Na verdade, enganei-me!
De facto, o peixe até já picava e algumas Pataroxas deram um ar da sua graça, mas o certo é que peixe maior, nem vê-lo. Era hora de fundear do outro lado. Levantei ferro e rumei contra a aguagem e a deriva, sondando por cima do bico, cheio de actividade. Vi aparecer a beirada abrupta, caindo de repente quase para o dobro da profundidade e mostrando sempre actividade com fartura. Continuei, procurando, no fundo, um socalco conhecido para agarrar o ferro; encontrei-o e fundeei, deixando depois descair o barco até ao ponto que me pareceu ideal para largar as iscas e estas cairem perto da beirada, cabendo à aguagem fazer o seu trabalho de "divulgação".
Certo é que os toques foram logo outros, mais intensos, acabando por se conseguirem os peixes que já vos mostrei. Pena os que fugiram... então sim, tinha sido uma pescaria bem mais elucidativa. No entanto, face ao relatado, pode dizer-se que a produtividade esteve manifestamente associada aos fundeios efectuados de fora do pontão para a base deste, no rumo da aguagem; entendimento a reter como base para primeira opção de fundeio, em outras incursões a este mesmo pesqueiro ou até a outros com características idênticas. Convém no entanto estar atento, pois nada no mar e na pesca se mantém como regra. Um dia destes é possível que aconteça precisamente o contrário. Eventualmente, bastará para tal que as condições e a época sejam diferentes

Relativamente ao título desta entrada, importa referir o seguinte: imaginem que um amigo me solicita uma marca de GPS e eu lhe dou aquela onde fiz esta pescaria ou a da pescaria relatada na última entrada. Ele ruma para lá, acredita que vai pescar à séria e fundeia o barco no ponto. Se não entender o pesqueiro e as condições não forem as mesmas ou idênticas, este ponto poderá de nada lhe valer. Neste caso, ele eventualmente ficará de monco caído e eu fico talvez sujeito a... passar por mentiroso!?

Uma boa noite a todos os leitores.

11 comentários:

António Vinha disse...

Olá Ernesto
- Mágnifico.
Que se fique a saber.A pesca não é só saber iscar e fazer uns nós; existe um sem número de outras coisas que é necessário ter conhecimento.

Obrigado pela partilha.

Abraço
TóZé

João Martins disse...

Viva Ernesto
Um excelente documento e importante, embora de leitura "pesada", para a boa compreensão da pesca de fundo embarcada
(Uns esquemas ajudavam a agarrar melhor o texto)
A chave para um bom dia de pesca passa obrigatoriamente por aqui
E as imagens comprovam-no. Parabéns aos intervenientes

Abraço JM
.

Ernesto Lima disse...

Viva Pessoal!

Grato pelos comentários.

É verdade Tózé... iscar e fazer montagens é de facto curto, embora importante.

Quanto ao cometário do João Martins... tem toda a razão!

Fica para a próxima, até lá, terão mesmo de ler um bocadinho pesado.

Abraço

JLVC disse...

Não faz mal amigo.... pode ir escrevendo pesado, muito boas analises dos dias anteriores de pesca e condições de mar!!!!

Como diz o Antonio "A pesca não é só saber iscar e fazer uns nós;"

Abraço

Anónimo disse...

Viva Ernesto,

De facto, desta vez, concordo com o João. Não tanto devido à forma do texto. É mais pela "matéria" em causa e, de certeza que também, pelo interesse e o entusiasmo que quem gosta destes temas coloca na leitura. Lendo pela 3ª vez(!)chego à brilhante e iluminada conclusão, caso dúvidas alguém tivesse ainda(?), que percebes à "patada" disto. Tantas horitas eu tinha poupado no mar se tivesse tido acesso a este teu texto há uns anos. De facto, sobre fundeio e sondagem, parece-me que está cá quase tudo. Muito obrigado por mais esta aula. Quase que nos sentimos lá.
Só faltou mesmo, mas isso parece-me impossível sentado em frente ao pc, a percepção da direcção da aguagem. Digo isto, pois eu, por vezes, ainda tenho dificuldade em percebê-la. Quando é forte, ou pelo menos significativa, é de fácil detecção. No entanto, quando a mesma é ligeira/fraca, nem sempre me tem sido fácil detectá-la. Ou seja, já tem acontecido fundear numa determinada zona de pesca e quando começo a pescar vejo que vou pôr as iscas onde não queria. E parece-me ainda mais importante quando a pesca é realizada nas proximidades de pontões, onde creio que a colocação do barco é ainda mais fundamental.
Obrigado por mais esta partido
Um abraço
João Carlos Silva

João Martins disse...


Viva
Volto a entrar para que não fiquem dúvidas sobre o meu comentário
Penso que o João Carlos Silva exprimiu a minha ideia nas 3 primeiras linhas
Em termos de conteúdo considerei-o excelente e importante para se entender a pesca embarcada no seu todo, mesmo para aqueles que como eu não têm responsabilidades directas nesta fase fundamental mas prévia à acção de pesca
A leitura (não a escrita!) é que a achei "pesada", talvez porque sou um aprendiz nestas andanças e domino mal as variáveis aqui em análise e sobretudo o modo como interagem
Referi-o porque tenho o prazer de conhecer muito bem o Ernesto nesta vertente e saber da sua grande preocupação, muito rara no mundo da pesca, em transmitir-nos os seus vastos conhecimentos e mais, sem evasivas, de uma forma clara, simples e acessível a qualquer um
Só que por vezes há temas mais complexos que tornam a comunicação mais delicada e melhorável com o apoio da imagem
Foi apenas esta a minha ideia

Abraço JM
.

Ernesto Lima disse...

Viva João Carlos e João Martins...

Grato mais uma vez pelos comentários.

A leitura é pesada... Não tem dúvida!

Apercebi-me disso enquanto escrevia e ainda mais quando revi o texto antes da publicação, o que faço várias vezes e outras tantas após publicada a entrada.

Concordo plenamente que quem queira perceber o que pretendi transmitir, terá de ler várias vezes, sem perder pitada da frase anterior. Tem conceitos que são base de outros, muito concentrados.

Na verdade, em determinado momento, estive quase para apagar tudo e tentar sistematizar com frases mais simples e acessíveis, mas acabei por não o fazer.

Escrevi ao correr da pena, transmitindo unicamente os pensamentos que me ocorreram durante estes dias e que acabaram por resultar, não fora os peixes perdidos.

Quanto ao comentário inicial do João Martins, não tem nada que saber... tem toda a razão. Com uma escrita sistematizada e algumas imagens, seria certamente mais fácil a compreensão.

Mas desenganem-se... os factos apresentados correspondem a um determinado momento do ano e a um determinado pesqueiro; possivelmente em outro dia, o peixe correrá de fora para o pontão e aí o sucesso dependerá da leitura do que estiver a acontecer e consequente da tomada de atitude para corrigir, se entretanto as condições de mar e vento e o tempo útil restante o permitirem.

Está tudo sediado em nós, nas nossas escolhas e na capacidade de as corrigirmos se ainda formos a tempo.

Mas uma coisa é certa, para além de o encontrar e fundear, há que tentar perceber o pesqueiro e não é só capturando que tal se consegue.

Obrigado e Abraço

Ernesto Lima disse...

Viva Zé Luís Costa!

Desculpa ainda não ter respondido.

Grato pelo comentário

Abraço

fgdfgv disse...

Carlos
Bom dia Ernesto eu troquei alguns e-mail sobre o tema "Manutenção de barco... Quando a idade obriga" que foi excelente e ajudou muito. Obrigada

Em relação a este tema eu gostaria de perguntar o seguinte, será possível criar esquema/desenho sobre o fundear para eu perceber melhor? ou conhece algum site aonde eu possa estudar melhor o assunto?
A minha grande dificuldade é fundear a embarcação no lugar que quero. Eu consigo identificar o pesqueiro, mas depois é que vem a dor de cabeça.

A outra pergunta é levantar o ferro, usa a técnica da bóia ou existe outra técnica?

Abraço

Carlos

Ernesto Lima disse...

Boa tarde Carlos

Eu vou responder-lhe às perguntas, mas vou ter de fazer uma entrada para isso, pois aqui a zona de comentários não tem estrutura para uma resposta adequada.

Esteja atento pois assim que tenha disponibilidade, faço-o.

Abraço

Ernesto

fgdfgv disse...

Ernesto

vou a aguardar com alguma ansiedade porque sei que vai ser uma resposta à altura e bastante esclarecedora.

Cumprimentos de Viana do Castelo mais precisamente de Vila Praia de Âncora

Carlos