segunda-feira, 29 de outubro de 2007

"Pescar em Sines" - 16/Fev/07



È Sexta Feira. São 11.35 e acaba de tocar para a saída. Acabei a última aula, duma semana que foi comprida e me obrigou a trabalhar em casa até tarde. Mas está tudo a rolar, com o trabalho, a família e as circunstâncias que me rodeiam. O carro está atestado e carregado de isca, material de pesca e roupa para o fim de semana, só tenho que me fazer à estrada pois ainda quero pescar à tarde.

Hoje é dia de experiências, pois não tenho ninguém a pescar comigo, o que me liberta da preocupação acerca do bem estar do parceiro do lado, caso as experiências falhem e não consiga dar com o peixe.

Saio o portão da escola e dirijo-me à estrada do Alentejo - não é que goste muito deste caminho - mas tenho que passar pela Gâmbia e apanhar o caranguejo, para iscar, que o meu amigo João sempre me guarda.

Há uns dois anos atrás preferia ir por Tróia, mas agora... Fico triste por ver tanta obra e a praia, usada maioritariamente pelos habitantes mais necessitados de Setúbal, completamente destruída, coisas do progresso... Será? E viva o Belmiro! Aquele, que não há muito tempo, afirmou num canal de TV, que "os professores de hoje são deseducadores", não sei onde foi buscar a competência para proferir tal diarreia verbal, mas enfim, não está só.

Estou a chegar à Gâmbia e quando vejo o João, já com o caranguejo preparado, esqueço-me logo desta gente, difícil de descrever, que me assolava a cabeça, até porque, a sensação do aperto de mão caloroso e do sorriso aberto do meu amigo me trazem de novo para o caminho do fim de semana, em má hora interrompido.

Despeço-me e faço-me à estrada, a esta hora há pouco trânsito, passo a ponte de Álcacer do Sal e vejo o meu rio, o Sado; que sempre me desperta uma sensação de carinho. Não sei porquê!? Mas gosto!

Atravesso a Aldeia do Isaías e entro na estrada de ligação Grândola - Sines. Está boa e o carro desliza entre paisagem de montanha, agreste e bonita, onde os tons variados de verdes e castanhos, me despertam frequentemente o olhar até que passo a última elevação antes de descer a serra e, a visão do mar, ao longe, me põe de imediato a "pescar", suscitando-me a antecipação sobre os pesqueiros que pretendo visitar hoje à tarde e as montagens e trabalhos que ainda me faltam fazer.

Sem me deixar dominar pela agitação e a consequente vontade de acelerar a viatura para além dos limites legais, procuro música agradável e deixo-me levar até ao Porto de Recreio de Sines onde encontro o Sô Zé, o Fernando e o Zé Luís, marinheiros de serviço e bons amigos que me põem a par das últimas da pesca ou de algum caso pouco usual que por ali se tenha passado.

Com o pensamento nas "novas" dos marinheiros e nas recomendações feitas por telefonema do dia anterior, pelo Zé Beicinho, companheiro de muitas pescas, carrego o material e dirijo-me ao barco, onde procedo às verificações, arrumações e preparações sempre necessárias que antecedem os rituais da preparação do material de pesca e das iscas que vou utilizar.

Terminados os trabalhos mais chatos, sinto a necessidade de sentir a calma e o silêncio interrompidos, aqui e ali, pelos sons dos peixes e dos pássaros que deambulam à volta do barco, do vento que sopra nos brandais dos veleiros e do esticar dos cabos de amarração. Penso então, no privilégio de estar vivo e poder, fruto de alguma sorte e de uma vida de trabalho recheada de altos e baixos, conseguir usufruir de um momento como este.

Inicio a montagem das canas e dos respectivos aparelhos que vou utilizar em cada uma delas, começando o meu pensamento a girar sobre qual o primeiro pesqueiro a explorar, as capturas pretendidas, as iscas a utilizar... mentalmente, visualizo a carta de fundos e apercebo-me da riqueza deste pesqueiro gigante que é Sines!

Num raio de quatro milhas náuticas, a partir do molhe Sul, em profundidades que variam entre os 15 e os 140 metros, existem fundos para todos os gostos, quer do pescador quer do peixe. Muita pedra alta e baixa, intervalada por fundos brandos carregados de comedia, depositada junto à pedra ou fora dela pelas correntes e marés, onde o peixe se move a seu belo prazer, cabendo ao pescador descobri-lo se quiser fazer o respectivo brilharete... Não é fácil! Com tanta escolha, "o dito cujo", pode estar em qualquer lado e não se vai mover por causa de uns pedacitos de isca, por muito atractiva que esta nos pareça.

Mas se quisermos procurar mais longe, em qualquer direcção, a escolha é enorme, assim como, a variedade de espécies e de técnicas que se podem usar para as capturar, proporcionando-nos hipóteses ilimitadas e felicidade a condizer.

A exploração de tal enormidade será infindável e dependente da capacidade de aprendizagem, através da experiência contínua e do relacionamento com o pessoal da zona, cujas "dicas", devidamente interpretadas, nos poderão indicar direcções mais ou menos adequadas em cada época do ano, rentabilizando assim a nossa procura.

Considerando as anteriores reflexões, deveria, neste momento, ter as montagens terminadas e ir para o mar... se estivesse em Sines, só que não estou. Já viram a porcaria de tempo que está a fazer!?

Bom... mas já desabafei! E que melhor maneira de o fazer que lembrar os momentos que já lá passei e antecipar os que poderão estar para vir.

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