domingo, 7 de abril de 2013

Em resposta ao Carlos... vamos fundear!


As condições de mar e vento parecem começar a compor-se ao fim de três semanas de chuva, mais chuva, ainda mais chuva, vento, vaga..., tudo contra. Para não variar, este Domingo em que o tempo até deu uma folga, eis senão quando, tenho actividades para acompanhar. Paciência... a minha hora de ir há-de chegar e não vale a pena pensar muito no assunto.
Entretanto um comentador aqui da página  - o Carlos, de Vila Praia de Âncora - resolveu perguntar (haja Deus...) sobre fundeio e solicitar que pormenorizasse, coisa que vou tentar, esperando que lhe sirva e, já agora, também a outro pessoal que por aqui ande.

Como sabemos, fundear um barco para pescar ao fundo não é tarefa fácil, muito devido às variáveis de vento e aguagem, ou ausência de ambas, em cada dia de pesca. Daí que, em certos dias, a manobra de fundeio pode tornar-se uma autêntica dor de cabeça para a maioria de nós, podendo muitas vezes levar à diminuição significativa do tempo útil de pesca ou até ao falhanço completo na consecução de objectivos de uma ou mais jornadas. Isto porque, ou fundeamos mal e pensamos que não há peixe, ou, verificando que não ficámos onde queríamos e embora até sintamos alguns sinais, tendemos a não confiar no pesqueiro e a nossa pesca poderá já não correr como gostaríamos, para além de, caso não aconteçam as capturas que  procurávamos, ficarmos sem saber se tal se deveu ao fundeio deficiente ou a qualquer outro factor ou variável.

Face ao referido e à solicitação do Carlos, reflectindo sobre o assunto e no sentido de passar os conceitos em que me baseio para efectuar a referida manobra, criei algumas imagens que, espero, melhorem o significado das palavras e, consequentemente, o nosso raciocínio.

Consideremos então algumas reflexões e conceitos:

O melhor posicionamento do barco será no local em que, face às condições encontradas de mar e vento, conseguimos colocar as nossas iscas, com relativo rigor, no pesqueiro que visualizámos na sonda e nos pareceu mais interessante. Não podemos esquecer que para o nosso barco ficar onde queremos, tem outra posição a encontrar... o ponto do fundo onde queremos que o ferro fique preso, permitindo a conclusão correcta  da manobra e o consequente início da acção de pesca conforme a imaginámos.
Considerando o referido, vamos ter de encontrar três posições interdependentes, correspondentes a:

A: a posição onde largar o ferro para que prenda no fundo, permitindo que o barco se posicione no ponto...
B: local onde, nas condições de mar e vento existentes, podemos colocar as linhas na água, sabendo que as nossas iscas cairão na posição submersa...
C: a zona onde caem as nossas iscas que deverá corresponder ao pesqueiro eleito.

Na imagem seguinte, apresenta-se o exemplo de um fundeio com intervenção do vento, sem aguagem, um dos mais fáceis de conseguir.


Para que se comece a ter uma ideia do aumento da dificuldade do fundeio, introduzindo outras dificuldades, vejam a imagem, com relevos de fundo idênticos, mas agora com intervenção de vento e aguagem, ambos  com o mesmo rumo, obrigando neste caso a posicionar o barco de outra forma face à beirada do pontão, de modo a que as iscas caiam no ponto C, o tal que elegemos após sondagem.


Levanta-se agora outra questão: como determinar as posições A e B que conduzirão à C pretendida, em condições diversas de mar e vento?
Para tal teremos que entender o conceito Rumo da Deriva, que podemos descrever como:
- A linha da deslocação do barco, cuja orientação determina para que ponta da Rosa dos Ventos este se deslocará, após desligado o motor e a partir do ponto em que parou completamente. Esta linha vai-se desenhando no GPS, a partir do ponto em que parámos o barco e após limparmos outras linhas de rumo que lá estejam e que possam confundir. Este rumo dependerá das seguintes condições de mar e vento:
- rumo do vento, na ausência de aguagem
- rumo da aguagem, na ausência de vento
- rumo concertado entre o vento e a aguagem, quando ambos estiverem presentes com rumos diversos, derivando o barco mais para o lado de um ou de outro, conforme a direcção e intensidade específicas.
Importa ainda referir que, havendo ao longo do dia entradas de vento ou de aguagem, quando um deles não está presente; assim como, paragens ou variações de intensidades e/ou rumos, em suas presenças; o barco mudará de posição, decorrendo de tal, alterações significativas relativamente ao local onde as nossas iscas estão a actuar (posição C). Se estas alterações vão melhorar ou piorar a nossa pesca... depende!? Uma consulta à sonda para verificar as estruturas de fundo, a profundidade e a actividade do novo pesqueiro, assim como os sinais dos toques, poderão decidir se ficamos e insistimos, ou antes, levantamos ferro e melhoramos o fundeio.

Vamos então complicar a manobra!

Para tal, observemos a próxima imagem, tendo em conta o seguinte:

- As três situações correspondem ao mesmo barco, com o ferro preso ao fundo, no mesmo ponto (A), em condições diversas de mar e vento, obrigando a posicionamentos diversos do barco (1, 2 e 3) e consequentemente à variação da posição C, aquela onde vão cair as iscas.

- As três situações identificadas, pretendem ser exemplos base passíveis de adequação conforme outros rumos e intensidades de vento e/ou aguagem que se possam verificar, sendo importante analisar tais condições, em cada jornada e atendendo até a variações ao longo da mesma.

- Relativamente às setas indicadoras de vento e aguagem, para evitar alguma confusão, as de vento, vêm do Norte e as de aguagem vão, da esquerda para a direita, para: Sul, Oeste e Norte.


Analisemos e reflictamos sobre as imagens.

Posicionamento 1 

Rumo da Deriva: Só com vento, só com aguagem ou com ambos no mesmo sentido, o rumo da deriva será apresentado no GPS, pelo segmento de recta que se irá desenhando de A para a proa do barco, posicionando-se este, centrado com o referido segmento.

Ponto C, sem aguagem: fica na vertical do barco

Ponto C, com aguagem: fica afastado da popa do barco, tanto mais longe, quanto maior for a intensidade desta.

Posicionamento 2:

Rumo da Deriva: será apresentado no GPS, pelo segmento de recta que se irá desenhando de A para a proa do barco, posicionando-se este, atravessado face ao referido segmento, com um ângulo  que poderá variar durante a jornada, na medida de possíveis variações das intensidades do vento e / ou da aguagem.

Ponto C: Vai ficar afastado do barco, no rumo da aguagem e tanto mais longe, quanto maior for a intensidade desta.

Posicionamento 3:

Rumo da Deriva: pode apresentar-se no GPS, conforme linha irregular, descrita entre o ponto A e a proa do barco, podendo também desenhar-se para o lado contrário ao que se vê na figura, dependendo da posição em que parámos o barco antes de fundear. Normalmente a linha de rumo apresentada, configura-se com intensidades idênticas de vento e aguagem e pode variar só para o rumo da aguagem, com barco atravessado a aguagem e vento, quando a intensidade da aguagem for superior à do vento ou vice-versa.
Em caso de intensidades fracas e variáveis, esta situação pode tornar-se uma dor de cabeça, atendendo a que o barco não parará quieto todo o santo dia.

Ponto C: vai ficar na linha da aguagem, tão distante quanto a intensidade desta e contribuirá para a dor de cabeça pois, face a possíveis e contínuas variações da posição do barco, ora pescamos para a proa, ora para baixo do casco, ora... etc..

Considerando as análises e reflexões produzidas, parece poder afirmar-se que:

- Depois de eleito o ponto C, após observação do Rumo da Deriva e cálculo de como o barco se posicionará, importa encontrar o ponto A, revelando-se este, talvez como o mais importante para a posição de fundeio que pretendemos. 

Que características deverá ter o ponto A?

1. Relativamente à configuração e estrutura de fundo, deverá assegurar que o ferro fique preso. Portanto terá de ter um ou vários pontões com altura suficiente para que, face às intensidades de vento e aguagem corresponda à prisão que queremos.

2. Quanto à sua localização, situar-se-à sempre contra o Rumo da Deriva, no alinhamento desta e com o afastamento necessário face às intensidades do vento e / ou da aguagem, assim como da altura da vaga, considerando que vento e aguagens mais fortes e vaga alta, obrigarão a dar mais cabo o que, consequentemente, implicará num maior afastamento entre o ponto A e o C.

Ao largar o ferro que cuidados ter para aumentarmos as hipóteses de que chegue ao fundo e, por arrastamento da deriva, se fixe no ponto A?

1. O ferro e o cabo, devem estar prévia e completamente desimpedidos a bordo para que possamos agarrar e largar, no momento que entendemos mais adequado, tanto mais importante quanto mais duras forem as condições de mar e vento.

2. Na presença de vento e aguagem, não nos podemos esquecer que a descida do ferro será afectada , na sua verticalidade, essencialmente pela aguagem, obrigando a navegar até ao ponto A, em rumo contrário ao da deriva e, para além deste, em rumo contrário ao da aguagem, atendendo a que podem não ser os mesmos.

3. Mesmo só com vento, devemos largar o ferro sempre um pouco para além do ponto A, no sentido de aumentar a segurança na eficácia da prisão do ferro e aumentando o tempo para gerirmos o soltar de cabo necessário ao posicionamento final, principalmente com maior intensidade de vento.

Outras considerações:

Encontrar mais ou menos facilmente um ponto A, depende muito do conhecimento que temos de cada zona  de fundos em que actuamos.

Se em condições adversas (aguagens contrárias, ventos fortes..., etc.) não conseguirmos posicionar-nos em determinado pesqueiro, mais vale procurar outro que conhecemos melhor ou onde as condições nos permitam maximizar o tempo útil de pesca.

Em dias daqueles muito calmos, com muito pouca deriva e com mudanças lentas e muito variáveis da posição do barco, o ideal será procurar pesqueiros cujos fundos apresentem poucas variações de profundidade e tentar que os pontos A e C, fiquem o mais perto possível um do outro, o que se pode fazer dando o mínimo de cabo possível, até porque, atendendo à pouca deriva não será necessário dar muito.
As razões desta consideração têm a ver com o seguinte:
- Se estivermos numa zona com poucas diferenças de profundidade, não corremos o risco de, ora estar a pescar numa beirada, ora no bico de um pontão alto.
- Se não houver muito cabo na água, tenderemos a manter-nos perto da zona onde queríamos estar e actuar sobre ela sem grandes afastamentos.

Caso não acertemos no fundeio ou, em determinado momento devido a alterações de vento e / ou aguagem, a posição do barco mude, devemos marcar o Rumo da Deriva, olhando a proa marcada na bússola  e verificar se o cabo está centrado com o barco ou apresenta algum ângulo, levantando o ferro de imediato e melhorando o fundeio face às verificações efectuadas. Não o fazendo, corremos o risco de ficarmos indecisos quanto à credibilidade na acção de pesca, isto porque, o nosso comportamento numa situação de descrédito sobre o pesqueiro em que actuamos, tenderá a não ser o mais correcto. Digo eu... posso estar enganado.

Sobre a questão colocada pelo Carlos, relacionada com o levantamento do ferro, informo que uso a bóia para tal e exceptuando fazê-lo com guincho, não conheço melhor forma de o fazer.
Para melhor informação sobre procedimentos para alar ferros, materiais, formatos e bóias, vou deixar-lhe aqui alguns links que poderão complementar...
- Características do ferro - Pode ajudar quanto a materiais a usar tendo em conta a proporcionalidade face a barcos de tamanhos diversos.
Descrição de materiais e manobra de alar ferro com bóia - Mais materiais e descrição escrita da manobra
Descodificação de termos (Pontões, beiradas, etc.) - Pode complementar face à utilização da sonda e compreensão dos termos.
Filme em inglês sobre a manobra de alar ferro com a bóia - Caso não se entenda a língua, as imagens parecem-me elucidativas.

Nota importante:

Por mais que se tente passar conhecimentos nesta área, só a prática de cada um poderá melhorar este tipo de acção.
Espero sinceramente ter dado um pequeno contributo que sirva de base à prática que vão ter de desenvolver para o fazerem cada vez melhor, até porque, por muito que se pratique, vai haver um ou vários dias em que por esta ou aquela razão, a coisa falha, restando-nos tentar perceber porque falhou e emendar a manobra.

Para qualquer questão estarei à disposição, na medida do possível, para analisar, reflectir e tentar convosco concluir sobre tal.

A todos os leitores desejo uma boa noite

7 comentários:

ntyper disse...

Simplesmente genial e exessional este seu topico amigo ernesto,não tenho muita esperiência de mar,mas pelo pouco que já vi,fundear o barco,óu melhor saber fazê lo,é meia pesca bem sucedida ,um grande abraço e mais uma vez os meus sinceros parabéns pelo tópico.

João Martins disse...

Viva Ernesto
Um documento que "faltava" e que completa um outro do início de Março. Muito bem conseguido! E com bonecos...
Já vi umas largas dezenas de fundeios seus. As falhas foram mínimas e em cenários complexos.
É uma arte que implica juízos rigorosos e rotinas executadas na perfeição, facilitados por muitos anos de prática e de reflexão.
Julgo que nos "cálculos" interfere também o formato do barco, já que pode ser mais ou menos agarrado pela aguagem ou pelo vento.
Só uma falha, penso que teria sido mais acertado ter chamado ponto G ao ponto B...

Grande abraço
João Martins

fgdfgv disse...

Bom dia Ernesto

Como eu imaginava só poderia vir uma resposta fora de série.

Os esquemas estão 5 estrelas e o conteudo melhor ainda.

Vou analizar bem o post e depois irei colocar as minhas duvidas.

Muito obrigada

Os Pescas disse...



Uma vez mais amigo Ernesto, os meus parabéns por mais um grande artigo.
É sempre um grande prazer aprender consigo..:-)
Um grande abraço e uma vez mais obrigado.

Luis malabar

Ernesto Lima disse...

Viva Pessoal!

A todos agradeço os comentários.

Ao João Martins:

Sobre a questão do tipo de barco e respectiva deriva, sem dúvida que uns barcos poderão estar mais sujeitos à aguagem e outros ao vento, mas cada um acabará por se aperceber do que se passa com o barco que governa pelo que me pareceu menos pertinente falar sobre tal.
Quanto ao ponto G, concordo! É de facto o local que mais Gozo dá.

Abraço

Ao Carlos:

Espero sinceramente ter contribuído para melhor se entender as necessidades para a manobra.
Quero no entanto realçar que é o tipo de acção que requer bastante prática. Só assim conseguiremos vir a melhorá-la.

Abraço

fgdfgv disse...

Boas Ernesto
Já tentei usar a técnica descrita, já senti grande evolução, com alguma prática chegarei mais longe. Obrigada

Gostei imenso da reportagem na revista Mundo da pesca excelente, continue a escrever e divulgar as suas técnicas. Já pensou compilar todos os artigos num livro tipo manual de trabalho?

Aproveito para lhe por a seguinte pergunta (possivelmente já respondeu mas não encontro) que é sobre:

Estralhos comprar ou fazer. E se for para fazer o que aconselha? Anzóis, fio, madre, perolas etc

Carretos manual Vs eléctrico e que fio a usar monofilamento ou multifilamento?

Qual é a melhor técnica de engodo?

Abraço
Carlos

Ernesto Lima disse...

Boa tarde Carlos!

Grato pelo comentário.

Algumas das respostas já aqui estão em artigos. Dê-me alguns dias que eu mando-lhe os links e complemento o que falta.
Se me enviar o seu mail, talvez seja mais fácil porque acede ao link directo. Pode enviar para aqui que eu não publico e depois contacto-o.

Abraço