terça-feira, 30 de outubro de 2007

"Momentos e Sensações" 22/Abril/2007


Um dia de pesca! O que é?

Muita gente que me conhece (mal) ou comigo convive (pouco), costuma referir frontalmente, ou nem tanto, a minha "loucura" pela pesca, quase como se eu só pensasse nisso, considerando-me muitas vezes um alienado por esta actividade, ou até um pouco desinteressado por tudo aquilo que me rodeia. Esta é a sensação que por vezes me assola, mas que não tento justificar perante os que, me parece, assim pensam. Acaba por ser uma boa maneira de me livrar deles.

Eu sei que nas conversas em que participo, o tema é abordado frequentemente, entre outros, quer por mim, quer por outros que, sabendo deste meu gosto, o trazem para a discussão, umas vezes contribuindo para o meu bem estar, outras nem tanto, sugerindo por vezes alguma limitação minha sobre abordagens de temas mais sérios.

A verdade situa-se, na minha perspectiva, na relação locais/momentos.

Por exemplo, se estou num bar, num grupo de amigos ou conhecidos, a curtir o ambiente e a música, a rir e a conversar "leve", e se alguém se lembra de puxar conversa séria promovendo debates que eu sinta estarem desadequados ao local e ao que aí se passa, assola-me de imediato a tentação de entrar no tal debate "sério", fazer assim que possa uma alegoria à pesca e desenvolver discussão neste sentido, tornando-me eu o chato, acabando com a conversa e voltando às brincadeiras leves, ao curtir da música e ao ver quem passa, porque foi para isso que ali fomos. Nesta situação, eu utilizo a pesca, outros utilizarão qualquer outro assunto.

O nosso bem estar parece permanentemente ligado a conjuntos de sensações diversificadas que, de algum modo, complementam a nossa vida, tornando-se as desagradáveis, agradáveis de relembrar quando ultrapassadas e as agradáveis, nostálgicas quando as não podemos repetir derivado à dificuldade de criar situações iguais na nossa vida, até porque, o que já se fez está feito e a seguir queremos mais.

A procura do bem estar é, sem dúvida, um dos principais objectivos de quase todas as acções que desenvolvemos ao longo das nossas vidas, sendo a capacidade de encontrar bem estar, nas mais diversas situações, uma das que mais tento maximizar entre as que julgo ter e não me tenho dado mal..., na família, na profissão, com os amigos, na pesca, em tudo!

Na passada Sexta Feira, acabei as aulas com a sensação de trabalho feito, apontando mentalmente as tarefas da próxima semana e revendo toda a programação de actividades a desenvolver até ao fim do ano lectivo. Tudo isto enquanto me dirigia para o carro, já carregado para mais dia e meio de pesca.

Assim que me pus ao volante, em direcção a Sines, com a perspectiva de estar a pescar daí a duas horas, fui envolvido por uma sensação de bem estar acompanhada por boa música.

Ao longo da viagem, os meus pensamentos, para além da condução, deambularam entre assuntos mais ou menos agradáveis, passados e presentes, e sobre a influência dos mesmos na minha actual forma de estar na vida.

Cheguei, e todos os meus sentidos se dirigiram para a preparação do barco dos materiais, das iscas e das montagens, lutando entre a arrumação e preparação correctas e a rapidez de me dirigir ao pesqueiro, vencendo a primeira questão, o que, conjugado com o tempo encoberto e a ausência de vento, me permitiu sensações de estar bem com o mundo inteiro que, naquele momento, se resumia ao barco e ao mar todo. Foi muito e suficiente. São momentos.

Dirigi-me ao pesqueiro - aquele "Onde Dei com Eles" - e, a leitura da sonda deixou-me louco com tanto peixe, o entusiasmo fez com que só à terceira conseguisse fundear o barco onde queria, entre sensações de fracasso, determinação e bem estar, quando o consegui.

Preparei as canas, isquei, deixei cair as baixadas, controlando a saída da linha devido à aguagem chata, mas vantajosa para este tipo de pesca.

Os primeiros toques aconteceram de imediato na cana que tinha na mão. Peixe miúdo. Muito e agressivo a comer. Ou me engano muito ou tenho um Pargo no anzol, não tarda nada. Pensei com entusiasmo, em tensão, com todos os sentidos alerta.
Levantei a cana e pelo peso apercebi-me que já não tinha isca. Subi a linha, tornei a iscar, mudando a forma, tornei a lançar, e ZÀS! A ponteira fez precisamente o que esperava, mergulhou. Eu lutei! Ele lutou e encontrei-me no barco com um Pargo de 2,000 kgs, tirado pelo enxalavar. Ainda bem... Pensei. Já não estou sózinho!

Repeti tudo. Assim que lá chegou começaram outra vez os toques incessantes, sendo que, de repente, a pesca "alvorou". O que é, o que não è? Não é pargo de certeza. Um carapau azul grande e já sei o que vai ser o meu jantar... este escalado e grelhado na brasa, se o meu amigo Zé beicinho estiver pelos ajustes!? Vai estar com certeza!

Outra vez, tudo para baixo. Outra vez toques pequenos, curtos, selvagens! O que é que se passa? Pararam..., não me podem ter roubado já a cavala que ia no anzol. Espera aí! Está para acontecer qualquer coisa!?
Toma atenção Ernesto! Lá vai ponteira em direcção ao fundo. Este é maior, e foi guloso. Muita cavala no mesmo anzol e o "artista" estampou-se. Lutamos!
Não lhe dou descanso, nem ele a mim. Cá estamos todos no barco e que cores tão lindas - vermelhos e prateados - pena não ter nenhum humano para tirar as fotos, aqui no mar, como eu gosto. Paciência!

A repetição continua. Olho para o tempo e vejo uma borrasca das antigas a chegar, os pingos de chuva ainda pequenos, mas prometendo irmãos maiores. Há que aproveitar antes da chegada destes.

Continuei... Apanhei mais dois Pargos e um Parguito, uma Sargueta grande e uma chopa do mesmo tamanho. Ferra-se-me um bicho maior na cana que estava no caneiro, inicio a luta e quanto o tenho arrancado do fundo, corta-me o estralho. É assim... Acontece e não há que matutar nisso.

A borrasca cai-me em cima. O vento que acompanha a trovoada tira-me do sítio e começa a cair chuva torrencial e granizo.
O mar está bom. Subo as linhas e recolho-me na cabine apreciando esta tempestade entre sensações de respeito pelos elementos, admiração pelos profissionais que tantas vezes são confrontados com eles e contemplação da beleza selvagem com que me confronto.

Aguardo até que passe e vou sondando ali à volta, apercebendo-me de outros pontões que por ali existem. Desde que comecei a pescar até este momento, decorreram uma hora e meia. É muita sensação junta.
Mais uma experiência a juntar a muitas outras e a aumentar "riqueza" à minha vida.
Estou satisfeito e agradecido por estes momentos tão intensos e com tanta qualidade. Acho que poderei ter outros momentos, outras sensações, melhores ou piores, mas não iguais a estas.

São quatro e meia, ainda chove, já cheguei ao porto e encosto ao pontão de abastecimento, atesto o depósito e volto para o meu lugar onde preparo o barco para "o dia seguinte". O Raimundo, o Vitor e o Pedro certamente vão gostar desta narrativa e ficar com água na boca. Vamos ver o que acontece!?

Amanhã é outro dia e ainda tenho que contar isto aos meus amigos aqui de Sines, enquanto como o carapau azul, escaladinho como pensei.

Parece que posso agora tentar responder à pergunta que formulei no início desta entrada.

Um dia de pesca é capaz de ser:

- Um tempo de qualidade que devido ao conjunto de momentos e sensações tão intensas que proporciona, nos permite reflexões profundas sobre a nossa maneira de estar e viver a vida, equilibrando-nos nessa luta constante de enquadramento com a família, a profissão, os amigos e o mundo.

Espero que os praticantes de outros hobies encontrem, também eles, esse equilíbrio!? Estou certo que sim.


PS: Não gosto muito da foto que ilustra este dia, mas é a que tenho, por estar sózinho.

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