Resolvi ir de manhã testar uma zona onde supostamente poderiam aparecer uns "cabeçudos" e umas Douradas, atendendo à época, e, para lá me dirigi, pensando inicialmente que, se desse com peixe, lá os levaria já com pesqueiro feito.
Quando me aproximo da zona eleita, deparo com um navio de contentores fundeado, ocupando toda a zona em que pretendia sondar, escolher pesqueiro e pescar... saiu-me uma asneira que não transcrevo e veio-me logo o Decreto Lei à cabeça, como se de comida que volta à boca se tratasse. Enfim... o navio não tem culpa e havia que decidir o que fazer.
Ir para mais longe não seria uma decisão acertada, pois teria de voltar por volta das duas da tarde para ir buscar o pessoal. Voltar para mais perto era uma hipótese, mas já estava com os azeites e só havia uma forma de tal me passar... procurar pesqueiro novo sem perder os passos dados. A zona tinha um aspecto rico e algum pesqueiro com bom aspecto se havia de encontrar, contribuindo certamente a concentração na procura para me limpar a alma.
Ao fim de uma meia hora, dou com um limpo aos 52 metros que passava de forma agreste para um pontão aos 43, evidenciando alguma actividade na base deste e que por estar tudo alinhado com o rumo da deriva me permitiu um fundeio quase milimétrico, largando o ferro na beirada contrária do bico e ficando a pescar mesmo em cima da base do pontão. Excelente... pensei.
A acção de pesca iniciou-se com os meus sentidos todos alerta, fruto da curiosidade que sempre me enche quanto actuo sobre um pesqueiro encontrado pela primeira vez e me testo quanto aos conhecimentos que julgo ter, fruto de muitas vitórias e não menos derrotas, sempre descascadas ao pormenor.
Certo é que o pesqueiro começou a dar um ar da sua graça, com a entrada de Safias pequenas, algumas Choupas, Carapaus azuis, intervalados com alguns momentos de espera em que as iscas levavam um pouco mais de tempo a serem consumidas, indicando talvez a proximidade de outros peixes quiçá mais interessantes.
Dois toques intermitentes, mais separados e fundos que o normal, fizeram-me ferrar alto e iniciar uma luta com peixe melhor, sem ser nenhum monstro e com um comportamento idêntico a Pargo que se revelou ser um Sargo Veado com perto de dois quilos, sem direito a foto porque se aproximava a hora de ir buscar o Zé e o Quiroga e não havia vagar.
O pesqueiro estava a dar um ar da sua graça e, a espaços, entraram mais duas Bicas, ambas com um quilo e pouco, isto já na altura em que tive de levantar ferro para vir buscar os convidados. Paciência... um dia destes volto cá e testo o pesqueiro a sério.
Perguntarão os leitores... oh homem, então se a coisa estava a dar porque não volta lá com o pessoal que vai buscar?
Ao que responderei... por duas razões!
Primeira, porque nestas alturas de marés vivas, o comportamento de um pesqueiro pode mudar de um momento para o outro, por via da entrada de aguagens, sendo que se lá estivermos poderemos continuar a trabalhá-lo e ver o que acontece. Neste caso, iria perder contacto com o pesqueiro durante perto de uma hora, tornando-se o risco de lá chegar e "levar com a cara na porta" demasiado elevado.
Segunda, porque iniciando-se esta segunda parte do dia, por volta das 15.00 horas, era importante maximizar o tempo útil de pesca e tendencialmente, face à época do ano, as hipóteses de tal acontecer, com resultados positivos e em pesqueiros mais próximos, afiguravam-se apelativas. Por tal, fui buscar o pessoal e procurei pesqueiros conhecidos ali mais perto do porto, esperando ter optado bem.
Não foi mau de todo, principalmente no segundo pesqueiro escolhido, após um primeiro que embora dando uns três Parguitos para o jantar se revelou em fim de produção, obrigando-nos a escolher pescar um pouco mais fundo e permitindo ao Zé Beicinho "tirar a barriga de misérias", com este que se revelaria o melhor exemplar do dia.
Mas fiquemos para já com o Pôr do Sol desta tarde magnifica, em que a expressão "auxiliares individuais de flutuação" se revela com um significado ainda mais estranho, passível de estragar a paisagem e o momento.
Dia de sequeiro por via do vento fresco que se fazia sentir, permitindo tratar do material, gozar a calma do porto de recreio e vir por aqui responder a comentários à entrada anterior, os quais aconselho que leiam, com especial atenção para os do Carlos Botelho que teve o cuidado de saber pormenores, junto do Sr. Comandante do Porto de Sines, sobre o que poderia acontecer no dia de entrada em vigor do Decreto Lei do meu descontentamento e que, de algum modo, explicam o que vos contarei em seguida... mas vamos por partes.
O Sol já ia alto quando acordei e o vento da manhã, já com alguma frescura, bafejou-me agradavelmente assim que abandonei a protecção da cabine, como que avisando sobre a sua disposição de se instalar para mais tarde, impossibilitando uma pesca confortável a quem entendesse desafiá-lo neste dia.
Andei por ali, tratando do material, conversando com este e aquele, tomando um café no quiosque ali perto, sempre a ver o mar e a sentir o vento, aguardando que o Sol tomasse a posição ideal que me permitiria ver melhor o ecran do computador lá no poço do barco e, de algum modo, fugindo inconscientemente à obrigação que desencadeei de falar sobre o "assunto desagradável"... não sei se me faço entender!?
Entretanto, resolvi almoçar lá pelo poço do barco, um meio frango, acompanhado de pão fresquinho e umas batatas fritas caseiras, acompanhado de uma garrafinha de Magos (0,25l)... qual manjar gourmet, em restaurante da moda.
A tarde passei-a por ali, sendo que quando já o Sol caía por cima do pontão protector, recebo um telefonema do meu amigo Fernando Fontes que sabendo das minhas intenções de ir pescar no dia seguinte (25), me informava que a Polícia Marítima tinha andado por ali em fiscalizações de barcos que tinham saído, referindo que no dia seguinte, supostamente o 1.º da entrada em vigor do "tal documento", já iriam actuar sobre a obrigatoriedade referida, e mais... tínhamos de envergar o dito cujo, desde que saíssemos até que chegássemos. Mais me sugeria o Fernando que levasse um colete auto insuflável que ele tinha (dos mais ligeiros), para que não se tornasse tão desgraçado o meu 1.º dia de contacto com esta obrigação.
Sinceramente boa gente... entrei em ebulição.
Já? Pensei para comigo. Mas então não esperam pelas portarias regulamentadoras? Qual é a pressa?
A resposta, iria tê-la no dia 26 de Agosto, mas antes, resolvi aceitar o colete do Fernando, não fosse o diabo tecê-las.
Dia 25 de Agosto:
Última saída de pesca, antes de voltar para Setúbal.
Acordo e dou de caras com o colete salva vidas que o Fernando me emprestou, o que me fez pensar de imediato em arrumar as coisas e ir embora para casa.
Pela primeira vez na minha vida de pescador fiquei sem vontade de sair para o mar, o que se agravou quando saí para o poço do barco e dei de caras com a embarcação LUISANA que, dentro do porto, saía para o mar, com todos a bordo, envergando aqueles coletes que temos na embarcação, grandes, incómodos, enormes e espelhando no rosto um misto de desconforto e incredulidade face à situação, num dia de mar calmo, considerando ainda a saída de uma barra que só em dias muito maus poderá ter algum perigo, dias esses em que ninguém sai.
Pensei de imediato... se nós que vamos pescar temos de envergar o penduricalho, logo que saímos da amarração, então porque não o têm de fazer os nautas de recreio que vão passear de barco? O perigo não é o mesmo para uns e outros?
Fiz um esforço para não desistir e fui buscar a isca, pensando que as hipóteses, para além de gritar contra, eram, para já, adaptar-me à situação ou sujeitar-me a uma coima apressada, tendo em conta que, atendendo à complexidade das nossas leis, alguma forma haveria para justificar um auto sobre uma obrigatoriedade tão recente e simultaneamente com explicação e regulamentação, no mínimo deficiente.
Tudo a postos, envergo o colete, adapto-o ao meu corpo, solto o barco da amarração e saio para uma baía calma, num dia de mar também calmo, adaptando a nova distância ao leme, logo após este se ter enfiado no colete duas ou três vezes, retirando-me o gozo habitual duma saída.
Decido-me por um pesqueiro de baixa profundidade, novo e muito perto daquele onde eu e a minha mulher tínhamos feito a pescaria no primeiro dia relatado neste pequeno diário.
O pontão sobe aos 24 metros, podendo considerar-se alto, tendo em conta a profundidade média da zona - 30 metros - tinha reparado nele na última vez, pensando na altura que teria de testá-lo, coisa que já tinha programado fazer neste dia, prevendo o mar trapalhão que poderia estar lá fora por via das ventanias dos dois dias anteriores e não me enganei... nem quanto à actividade que encontrei na beirada aos 28 metros, nem com o mar trapalhão lá de fora que contribuiu para que a maioria dos barcos que pescavam, passado pouco tempo, procurassem mares menos tormentosos.
Sondei, decidi o fundeio e andei para a proa para preparar o ferro, antes de efectuar a manobra de fundear. Nesta altura, e por estar só a bordo, pensei que o colete, aqui sim, era uma segurança, mal grado ter ficado preso no caneiro lateral quando passava para a proa, mas tudo bem, atendendo a estar a solo, seria uma adaptação aceitável.
O barco aproou ao fundeio, o cabo esticou e fiquei em cima do pesqueiro escolhido, com uma calmaria podre, num barco que nem mexia e com um colete que já me fazia calor e pesava. É verdade caros leitores, mesmo aquele mais ligeiro pesa e sente-se o peso pouco tempo depois de estarmos com ele aos ombros.
A teimosia pensada que me é peculiar, salvou-me de levantar ferro e voltar ao porto e a casa, o que, sinceramente, era a vontade que tinha. Mas decidi ficar e iniciei uma acção de pesca com uma disposição desesperante, feita de vontade de não ser vencido por um artefacto e face à delícia de actuar sobre um pesqueiro tentando capturar o que perseguia.
Iscas para baixo, anzóis limpos para cima, novo corte de iscas, medindo a distância ao tabuleiro onde o faço, evitando que o colete se encostasse e por lá se prendesse ou ficasse todo borrado de sardinha.
Os toques tinham alguma agressividade, indicando actividade interessante e a possibilidade das capturas que gostamos. Não fora a irritação latente derivada de estar a suar por todos os poros na zona de assentamento do colete, e não só, a coisa era perfeita. Mas concentrei-me na pesca... até para tentar encarar o artefacto como algo que não estava lá.
O primeiro Parguito subiu, depois um Sargo de bom tamanho, intervalados com umas Safias e Choupas, assim como com as prisões contínuas da manivela do carreto no colete, teimando em não me deixar esquecer que o tinha vestido, o que deve ser necessário, atendendo a que me poderia afogar ali no poço do barco ou que este, assim fundeado, por via das ondas enormes que não existiam se poderia virar de repente, ou ainda, por causa de algum duende mau ou macumba feita por quem não goste de mim, estava certamente em risco de me afogar, dando um trabalho desnecessário às autoridades marítimas. Por tudo isto, era bom que estivesse colocado o "coiso".
A pesca compunha-se, a agressividade dos toques estava em alta e deu-se... três toques, um pouco mais fortes e com intervalos maiores que aqueles das Safias e das Choupas, fizeram-me ferrar alto e iniciar luta dura, culminando neste Pargo, com perto de quatro quilos, cujo processo de subida a bordo, como não poderia deixar de ser, esteve comprometido pelo "auxiliar de flutuação individual" que implicou com o enxalavar, com o fio da madre que se prendeu na fivela e com um anzol de cima que nele ficou preso, já para não falar da dificuldade de tentar colocar o enxalavar, devido à maior distância a que fiquei da água derivado do aumento de volume que provoca. Sinceramente, nunca me senti tão inseguro face a acidentes dentro do barco, como neste dia de pesca que, sendo bom em termos de capturas, foi o mais desconfortável e o pior da minha vida. Mas mau, mesmo muito mau é que vou ter de me habituar a isto se quiser continuar a fazer o que gosto. Vamos ver!?
Aqui têm o animal. Sinceramente estive quase para lhe colocar o "auxiliar...", fazendo um esforço para brincar com o assunto, mas depois lembrei-me que isto é um local público e poderiam autuar-me por o ter tirado.
Voltei para terra, suando, de colete vestido, a governar dentro da cabine, olhando o mar calmo e a entrada "perigosíssima" da barra do Porto de Sines. Fixei o Pôr do Sol e não resisti a perguntar: oh Sol... que mal fiz eu para merecer um tratamento destes?
Consultei o Sr. Capitão do Porto de Sines que em razão da matéria em causa teve a amabilidade de me responder em curto lapso de tempo. Como o espaço é pequeno tentarei sumarizar.
1 – A alteração do Decreto-lei n.º 246/2000, de 29 de setembro, resultou de um grupo de trabalho no qual tiveram assento diversas entidades representativas do sector, tendo sido formalizadas algumas recomendações no sentido de implementar a obrigatoriedade do uso de coletes de salvação durante o exercício da pesca lúdica embarcada.
2 – O Decreto-lei n.º 101/2013, de 25 de julho, veio proceder à alteração, aditamento e republicação do regime jurídico da pesca lúdica aprovado pelo Decreto-lei n.º 246/2000, de 29 de setembro. A entrada em vigor das alterações preconizadas pelo DL 101/2013, de 25 de julho, conforme estabelece o seu art. 7.º opera 30 dias após a sua publicação, ou seja, dia 26 de agosto pelo que produz efeitos a partir desse mesmo dia, sendo, nesse caso obrigatória a utilização de auxiliar individual de flutuação, a partir daquela data.
3 – Relativamente à definição de auxiliar individual de flutuação, deverá entender-se como o “colete de salvação” conforme referido na Portaria n.º 1464/2002, de 14 de novembro, referente aos equipamentos e meios de salvação, decorrente da obrigação prevista no art. 18.º do Regulamento da Náutica de Recreio (DL n.º 124/2004, de 25 de maio). Relativamente às características dos mesmos, nesta fase, e enquanto não for publicada a portaria que regulamenta as condições de utilização dos auxiliares individuais de flutuação, que se aguarda para breve, dever-se-á lançar mão do único diploma legal que prevê uma definição das características que devem obedecer aqueles dispositivos, e que, na falta de norma expressa deve-se aplicar analogicamente por força do disposto no art. 10.º do Código Civil, pelo que devem cumprir as características previstas no art. 1.º da Portaria n.º 64/2011, de 3 de fevereiro, no sentido de reforçar a segurança a bordo.
Cumprimentos
Carlos Botelho
Aprova o Regulamento da Náutica de Recreio
Decreto-Lei nº 124/2004 – artigo 18º
Portaria nº 1464/2002, de 14 de Novembro
Aprova os equipamentos das embarcações de recreio (ER) no que diz respeito aos meios de salvação e de segurança, aos aparelhos e aos meios de radiocomunicações, aos instrumentos náuticos, ao material de navegação, às publicações naúticas e aos primeiros socorros.
Portaria nº 1464/2002 – 1.2.2. do Anexo
Portaria nº 64/2011, de 3 de Fevereiro
Regulamenta as características dos auxiliares de flutuação individual e as respectivas condições de utilização
Portaria nº 64/2011 – artigo 1º
Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47344, de 25.Novembro.1966 (apenas o artigo 10º, que se transcreve)
Artigo 10º - Integração das lacunas da lei
1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
Abraço JM